poemas-objeto

lupa-clichê — 2009
lupa de aumento e clichê de zinco
18 x 6 x 2 cm
lupa-clichê — 2009
lupa de aumento e clichê de zinco
18 x 6 x 2 cm
antiode a Joan Brossa  — 2012
cartas  de Tarô, cadeado antigo, chave e caixa de madeira espelhada
50 x 50 x 10 cm
antiode a Joan Brossa  — 2012
cartas  de Tarô, cadeado antigo, chave e caixa de madeira espelhada
50 x 50 x 10 cm
deus não joga dados — 2004
lupa robô e dados / dimensões variadas
deus não joga dados — 2004
lupa robô e dados / dimensões variadas
metaobjeto — 2004
lupa robô, slide da obra guarda-chuvas negros / dimensões variadas
metaobjeto — 2004
lupa robô, slide da obra guarda-chuvas negros / dimensões variadas
errata — 2001
cachimbo, vidro canelado e caixa de madeira / dimensões variadas
errata — 2001
cachimbo, vidro canelado e caixa de madeira / dimensões variadas
poema-minuto — 2005
ampulheta de vidro, dados e base de madeira / dimensão variável
poema-minuto — 2005
ampulheta de vidro, dados e base de madeira / dimensão variável
natueza-morta — 2006
câmara de ar de pneu retalhada e amarrada / dimensões variadas
natueza-morta — 2006
câmara de ar de pneu retalhada e amarrada / dimensões variadas
Odradek1 — 2004
peças de dominós, linha n.10 e arame
13 x 8 x 8cm
Odradek — 2004
peças de dominós e tiras de borrachas 
13 x 8 x 8cm
movimento e repouso — 2010
moldura, vidro, e peça de dominó
30 x 21 x cm 


movimento e repouso — 2010
moldura, vidro, e peça de dominó
30 x 21 x cm
jocker — 2004
lupa robô e cartas de baralho / dimensões variadas
jocker — 2004
lupa robô e cartas de baralho / dimensões variadas
desaguar — 2012
ralos de ferro e solda
25 x 25 cm
desaguar — 2012
ralos de ferro e solda
 25 x 25 cm
sem chances — 2005
dado e prensa manual
13 x 9 x 3 cm

guarda-nuvens — 2007
caixa de ovos de papelão, gomos de algodão azuis e caixa de acrílico
15 x 15 cm
guarda-nuvens — 2007
caixa de ovos de papelão, gomos de algodão azuis e caixa de acrílico
15 x 15 cm


Cláudio Trindade 
joga dados – e outras coisas mais
Por Fernando Boppré*

“Antes de ser impresso, esse 
poema foi quatro linhas
de chumbo com as letras em relevo”
(Linotip, Joan Brossa)

" tudo é corpo ou vazio" lucrecio

Uma certa iconoclastia: poemas que se transformam em objetos, artista visual em poeta, música que quer ser vista, sentida. E vice-versa.

Objetos enlouquecidos: cindidos por parafusos, porcas borboletas, divididos ao meio, inteiros, atravessados por outros objetos, justapostos, reunidos, isolados, confusos. Talvez isso: Cláudio Trindade confunde (abatoca, atalha, atarraca, atrapalha, atravanca, embaraça, embarranca, embatoca, embatuca, enreda, enturva, implica. Isso só para se deter ao dicionário. Fora dele, ensaia-se: desfoca, destrona, desenrola, ultrapassa, atomiza, por fim, desloca).  

 A operação poética de Trindade encontra, logicamente, raízes em Marcel Duchamp. E em Joan Brossa também. Concretas, outrossim. Em comum entre as referências, o fato de terem estes artistas e movimentos jogado com o limite da questão: o que é a arte? O que é o poema? E, em última instância: o que é o artista?

 Duchamp odiava os artistas. Pelo menos, o modelo padrão de artista, o virtuoso, o sensível, o mestre da forma. Tanto que se escondia em bibliotecas (como J. L. Borges, por sinal: coincidências? As coisas acontecem aos pares?). Desenhava simples moedores de chocolate para não ter que fazer paisagens, retratos ou algo que se esperava de um artista plástico. Quando cansou de moedores de chocolate, foi até uma loja de ferragens na avenida Columbus, em Nova Iorque, e comprou uma pá de neve, de ferro galvanizado e um cabo de madeira. Chegou em casa, assinou-a, amarrou um arame e a pendurou no teto. 

 O procedimento de Duchamp – com a instauração dos ditos ready-mades – inaugurou uma infindável produção de objetos e discursos sobre a arte. Tirou a arte das telas de pintura, lavou os olhos do público, mandou os críticos para os ares. O mesmo fez Joan Brossa, na literatura. De cartas de baralho extraía poemas que eram verdadeiros objetos, ou talvez, objetos que eram poemas. Brossa é outra importante referência de Trindade, que chegou a expor uma “Antiode a Joan Brossa”.

 Pouco importa, na verdade, definir os trabalhos de Brossa e de Trindade como poema ou obra de arte, artistas ou poetas. Não se trata de analisar, de buscar todos os pontos de vista possíveis para entender a obra de Trindade – de Duchamp ou de Brossa – muito menos de propor afirmações que encerrem categoricamente seus trabalhos ao conjugar o verbo ser. Isso é justamente o movimento inverso à vontade de poder de cada artista, de cada obra, seu eterno vir a ser, múltiplo de sentidos.

O próprio Cláudio Trindade parece estar pouco interessado em se definir como poeta ou artista visual – situação que parece persegui-lo já que, de uma forma ou de outra, antes de ser publicado ou exposto em alguma edição ou instituição, sempre se procura mapear de onde vem o artista, pesquisando se seu trabalho tem consistência (currículo) e profundidade (formação). Rotina comum tanto às editoras, quanto aos museus.

 A ambigüidade, no entanto, é um dos fundamentos de seu trabalho e, nesse sentido, não há razão em querer dissipá-la, nem mesmo em nível institucional. Outro elemento importante em seu trabalho é a autorreflexibilidade. Dialoga criticamente com a produção de Duchamp, Joyce, Brossa, Borges, Haroldo de Campos, Mondrian. Nomes que, por sua vez, também procederam com uma autorreflexibilidade – corrosiva – e que acabaram por implodir códigos, inovar símbolos e extraviar formas. 

Cláudio Trindade envereda sua poesia, sua formação: a letra vira objeto, o poeta se torna artista visual. Livro para se ver, objeto para se ler. Imagens, símbolos, dimensões, técnicas, jogos, está tudo ali, mesmo que atomizado, tensionado, como uma bomba H.

A simplicidade de seus trabalhos assusta. Bolas de snooker. Guarda-chuvas. Dados. Lentes de aumento. Tudo isso, no entanto, entremeado, entrecortado, circundado pelo vazio. É talvez o vazio a maior conquista de Trindade. Um vazio visual, mas também poético, lido como silêncio. Isso se observa já em seu “Ruído Branco”, seu segundo livro, com poemas escritos: “um silêncio / quase sem som / devora/ -se a / si mesmo / e cai / como a luz / e sua ambigüidade / como o vento / que erra / e / se / dis / sol / ve... / como a tarde / revestida de / escuros e / opostos / como a noite / áspera / que o céu estala / e a / re / vela / e não”. Este vazio está presente ainda em seu trabalho gráfico – de caráter profissional – onde se destaca o apuro e um cuidado em preservar o vazio. Por sinal, muito em razão de sua experiência profissional com as artes gráficas, Trindade finaliza seus trabalhos como poucos. Um acabamento plástico invejável.

Um artista que trabalha oculto enquanto outros aparecem. Meras estrelas cadentes. No curto circuito da arte contemporânea – repleta de equívocos e de grandes sacadas, que muitas vezes se legitima pelo rótulo – talvez haja realmente pouco para se ver. E sentir. De qualquer forma, também havia pouco com os modernos, com os românticos, etc. Cláudio Trindade é o outsider deste curto circuito. De qualquer forma, exilou-se.                                 

* Fernando Boppré é historiador, museólogo e curador. Publicado orginalmente no  Jornal A Notícia de Santa Catarina em 05/01/2009